quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Realidade Amazônica na Mídia


O poder da mídia e suas influências é um tema instigante e que vem, em tempos de globalização, inquietando vários intelectuais preocupados de como a realidade da Amazônia, seus problemas, a cultura, seus povos, suas organizações e instituições sociais objetivamente aparecem nas reportagens e nas diversas programações oferecidas pelos meios de comunicação.
Uma reflexão acerca das relações mídia e os desafios da realidade amazônica e como eles têm sido abordados nas reportagens, as razões de determinados temas merecerem destaques, outros não, e os aspectos ideológicos que regem as matérias, na verdade, revelam os possíveis impactos que se expressam nas formas modernas da vida social. E é o que nós queremos refletir nesta comunicação e democratizar aqui.
As notícias têm chegado até nós com um invólucro do tipo espetáculo. Como temos assistido notícias de tragédias, vazamentos de petróleo no mar, degradação da fauna e da flora? Como temos usado essas informações no nosso dia-a-dia? São dados confiáveis? É bom que se diga que essas imagens, discursos, notícias, informações invadem nosso mundo mundializando um sentimento consensual de revolta e apreensão com o destino do planeta. Desse modo, pautas como os problemas ambientais, vividos pela sociedade brasileira e no mundo, ganham um espaço privilegiado na mídia. E por conta do avanço do desmatamento, do aquecimento global, do acirramento dos conflitos de terra, da questão indígena e da exploração de minérios, a Amazônia vem sendo abordada de forma pejorativa por agentes que não a conhecem ou que pretendem mesmo distorcer os fatos.
Criticamente, temos acompanhado dezenas de coberturas jornalísticas que não prezam pela seriedade do jornalismo, montagens de matérias que apresentam vícios graves e sérios; queremos nos manifestar contrários a essa postura ética que não é a do cuidado nem a da responsabilidade.
A sociedade precisa está mais preocupada com aquilo que assiste e ouve; precisamos ter mais cuidado e mais atenção para o problema da qualidade do conteúdo que se transmite na TV ou se anuncia nos jornais ou na Internet sobre o entendimento e interpretação da realidade do caboclo da Amazônia, das suas necessidades e desafios, da questão indígena, do problema do desenvolvimento e da sustentabilidade regional, da empregabilidade e renda, das intenções das políticas públicas governamentais. Isto porque as matérias sobre a amplitude das tragédias ambientais, dos desmatamentos desordenados, da poluição do ar e da água, têm se resumido a uma simples indignação e a um apelo espetaculoso; ao se falar sobre a necessidade de mudanças de atitudes, de prática social, estas não aparecem associadas com a contestação da ordem vigente nem com a ruptura do modelo histórico de desenvolvimento que orquestra a vida social. Constata-se, sobremaneira, uma arrogância do poder, uma prepotência absoluta do discurso hegemônico, uma estratégica despriorização do contexto, uma fragmentação dos discursos e a espetacularização do trágico.
É só olhar matérias que retratam o drama do consumo de água e as ameaças de racionamento; elas vêm acompanhadas de imagens impactantes, onde o desperdício é incriminado; também as matérias que discutem o papel dos esgotos na contaminação das águas mostram as empresas preocupadas com sua condição de poluidora; elas não aparecem em nenhum momento como as responsáveis pela poluição, mas inculca-se que a população é a grande vilã, e a responsabilidade do governo é dirimida nos discursos especializados.
Há uma ingenuidade em tais falas e ela aparece quando se pulveriza o discurso de que “há falta de água porque há desperdício e a solução indiscutível é racionar”. Não queremos defender que o desperdício não seja um complicador, mas apostamos que não é causa única. A crítica ao neoliberalismo revela uma multiplicidade de fatores que criaram as condições para a agudização desses problemas e desafios.
É deste modo que a concorrência mercadológica, a formação e as forças políticas e econômicas aparecem como elementos limitadores e que ofuscam uma abordagem comunicacional mais objetiva, e que tem levado a uma equivocada compreensão sobre a trama e os dramas amazônicos: os problemas na Amazônia devem ser interpretados como expressão de um complexo dialético de fatores políticos, econômicos, tecnológicos e culturais e de que o capitalismo é a base estrutural. A Amazônia, como uma formação econômico-social, é regida pela dinâmica do capitalismo e, portanto, está sujeita aos processos de expansão e crise do capital, é o que defende Marilene Corrêa da Silva em seu livro Metamorfoses da Amazônia. Aliás, a globalização do capitalismo tem sugerido uma outra interpretação da Amazônia e dos estudos amazônicos.
Sobretudo, os meios de comunicação devem primar pela pluralidade de opiniões e proporcionar uma imagem não fragmentada da realidade para que as matérias tenham propriedade. Embora os problemas amazônicos interessem como notícia, a abordagem que a mídia vem fazendo se limita a uma simples constatação, e sua crítica não transpõe as fronteiras estruturais, fazendo com que os interesses políticos e econômicos cada vez mais adquiram força e sejam mais determinantes.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Um olhar sobre o modo de vida amazônico


Uma reflexão dos processos históricos do século XXI e, de forma singular, os impactos da era da globalização, tem propiciado a constatação de alterações significativas no modo de vida das populações amazônicas, marcadas por múltiplas determinações econômicas, sociais, políticas e culturais. Temos sido confrontados com ações inconsistentes e vazias de políticas públicas que não têm priorizado, sobremaneira, a qualidade de vida dos povos da floresta.
A organização dos modos de vida dessas populações tem relação direta com a intervenção dos grandes projetos econômicos que originam políticas públicas intervencionistas e que tem beneficiado muito mais as forças mundiais do que os próprios povos regionais. Esta é uma crítica veemente que é feita e precisa continuar sendo feita pelos movimentos sociais, pela sociedade civil organizada, pelos subalternizados, desfavorecidos, pelos “sem voz” e “sem vez”, pelos que se sentem excluídos, discriminados e alijados do processo de desenvolvimento social. Infelizmente continuamos sendo expectadores e ou atores coadjuvantes que moram numa região que permanece sendo saqueada, devastada e seu povo empobrecido pela exploração econômica decorrente de um planejamento acumulativo deflagrado pelas estruturas do Estado nacional.
A Amazônia constitui área com características, problemas e possibilidades peculiares, e por isso deve ser analisada particularmente. Problemas como os ligados aos processos agrícolas, ao sistema de exploração e especulação fundiária, às questões sociais, ao nível de emprego e aos problemas ambientais, ainda persistem na Amazônia e são avassaladores e complicados. Mas há uma demonstração de que a região amazônica tem desejado a formulação de uma política contrabalançada e coerente de desenvolvimento, de construção de uma sociedade sustentável. Há uma constatação de alguns avanços produzidos pela execução de projetos, nos últimos vinte anos; obviamente que isso não elimina a complexificação e criação de outros e novos problemas.
Qualquer elaboração de políticas de desenvolvimento regional não pode deixar de integrar com eficiência os grupos humanos de áreas prioritárias, suas demandas e inquietações: assegurar a qualidade dos meios de transporte, o funcionamento e a modernização dos veículos de comunicação, o aproveitamento e a potencialização da rede fluvial e da frota de modernas embarcações de grande velocidade; precisamos considerar a inclusão das populações no crescimento econômico e as estratégias de sobrevivência econômica, social, étnica e cultural; não podemos deixar de exigir níveis de empregabilidade e de condições materiais básicas de subsistência. Precisamos realizar pesquisas de campo em áreas previamente selecionadas, tanto para solucionar problemas sócio-econômicos como para conhecer as riquezas naturais e recomendar os meios mais práticos para o máximo aproveitamento sustentável.
Nos estudos que explicam os complexos fatores que afetam a vida do homem em um determinado meio, não podemos priorizar só a dimensão econômica; também é necessário considerar o conjunto de múltiplos aspectos da formação social. Ou seja, viver em um país ou região significa antes de tudo saber como viver: é preciso ajustar-se às condições climáticas, à paisagem, aos recursos disponíveis, aos acidentes climáticos, vencer em suma o desafio da natureza e encontrar o seu próprio estilo de vida naquele ambiente em que se inseriu. Esse desafio ainda não foi respondido pelo homem da Amazônia; este ainda desconhece a magnitude da sociedade regional e que por isso tem estabelecido um diálogo contraditório com as exigências do seu meio.
Qual a compreensão que temos do mundo amazônico, com suas gentes, caracterizado pela pluralidade étnica, dotado de uma paisagem exuberante, com lendas e crendices, com saberes tecnológicos e científicos, com uma cultura típica, produzida por relações e processos dos mais diversos? Como e quando foi que processos e estruturas de organização social e comunitária começaram na Amazônia e por que começaram? Qual o sentido que engendram e mantêm os fenômenos e manifestações sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas na nossa geografia? Quais as características básicas e essenciais da formação dos modos de vida das comunidades amazônicas? Quais as implicações da lógica global capitalista nas relações sociais dos ribeirinhos, das populações indígenas, das populações tradicionais, dos povos da várzea, das populações urbanas? São estas e outras questões que marcam a história da sociedade regional e que suscitam alguns desafios para o homem amazônico. Estas questões podem ser discutidas nos fóruns, nos simpósios, nos congressos científicos, nas assembléias, nas reuniões comunitárias, nos painéis, nas mesas redondas, nas tribos, nos quilombos, nas favelas, nas universidades, nas escolas públicas e privadas, em todos os lugares.
A ciência, com suas várias áreas de conhecimento, e os saberes tradicionais nos ajudarão, por certo, a compreender as peculiaridades da nossa região e entender o por que das coisas, das idéias e das gentes que existem hoje, assim como de coisas, idéias e gentes que não existem mais, e ainda das que, talvez, poderão existir amanhã.
É neste sentido que queremos compreender a complexidade dos lugares que formam a Amazônia, com sua diversidade social e biológica, sua historicidade, os processos de construção de identidade, o governo e as relações de poder, o mundo da produção e do trabalho, os mecanismos de subsistência, a dinâmica das classes sociais que engendram e produzem comportamentos, vontades e desafios. Entender os aspectos originários, influenciadores dos modos diversos de organização da vida na Amazônia, tem sido a preocupação na agenda de muitos.

Zona Franca de Manaus: os inversos e reversos do desenvolvimento regional


A implantação da Zona Franca em Manaus (ZFM), única política pública para a economia da região financiada pelo governo federal, trouxe conseqüências sociais de grande impacto, afetando os alicerces das formas de organização sócio-econômica, cultural e política, encontradas na região. Na ótica capitalista, o modelo Zona Franca canalizou toda a sua lógica e seus princípios na Amazônia, fazendo cumprir a estratégia do processo de mundialização da economia e do capital, da nova lógica da divisão internacional do trabalho, que culminou na integração da Amazônia ao Estado Nacional e sua inserção na esteira do capitalismo mundial.
Esse pólo atrativo de desenvolvimento provocou o êxodo rural e, por efeito, o inchaço e a urbanização desordenada da capital, a favelização da cidade e inclusive o surgimento contínuo de novos bairros, sem as condições mínimas de infra-estrutura. O aumento populacional de Manaus elevou consideravelmente a demanda por serviços públicos de saúde, educação, transporte, saneamento básico que não foram supridos pelo Estado.
O que se percebe é que a oferta de emprego até hoje é extremamente limitada em relação a este enorme contingente populacional que cada vez mais migra para a capital; vivendo-se com um baixíssimo salário, revelam-se os sérios vícios do modelo que o tomou como condição primeira para a sua implantação no Amazonas.
A notícia do desmonte da Zona Franca de Manaus tem mobilizado algumas forças políticas e econômicas porque representaria o próprio desmonte das instituições do Estado, e isto implicaria na redução das possibilidades de trabalho e empregos na região, na precarização dos investimentos econômicos e uma deficiência na prestação de serviço público.
O modelo Zona Franca não significou necessariamente o progresso equitativamente distribuído, que pudesse promover socialmente os manauenses. É só visualizar o padrão de qualidade de vida das pessoas; houve, na verdade, um decréscimo e os problemas urbanos se agudizaram; a cidade se empobreceu e seus dramas continuam nos perplexificando, tais como a pobreza, a insegurança, índices alarmantes de criminalidade, degradação da vida humana, sem se falar nas dificuldades das populações rurais.
Mais da metade da população sobrevive hoje com um salário irrisório, vivendo em condições sociais precárias, acentuando as condições catastróficas de habitação e o alargamento do subemprego e desemprego. Tal contexto tem contribuído para o aumento do índice dos problemas sociais relacionados com a delinqüência e violência urbana, a ação de “gangues”, de quadrilhas e grupos de extermínio, corrupção policial, tráfico de drogas e outros.
Temos percebido o engessamento do Estado e sua incoerência em não investir em novas alternativas econômicas de integração regional que possa aumentar a sua receita, ampliar a economia regional e gerar empregos diretos e indiretos. Precisamos refletir sobre a enorme dependência econômica e social que a região tem desse modelo. O que significaria a extinção da ZFM? O caos social? O Estado faliria?
Pensar o futuro da Amazônia pressupõe considerar a questão do modo histórico de desenvolvimento econômico que se adotou e precisamos refletir acerca do modelo de atividades industriais e como tem impulsionado o desenvolvimento sustentável da Amazônia e suas implicações na geopolítica e na economia regional.
A Zona Franca, que tem enfrentado enormes impasses para a sua manutenção, ainda é o modelo que pode garantir todos os benefícios alcançados para o Amazonas, mesmo sendo ínfimos. Superar as fronteiras e alargar as perspectivas em termos de desenvolvimento auto-sustentável da economia do Estado é um desafio. Este modelo sozinho não significa uma alternativa consistente e única, para resolver eficazmente os problemas regionais, no sentido de pelo menos reduzir os dramas da maioria da população manauense.
Qualquer programa de desenvolvimento regional não pode pensar jamais em romper com o contexto sócio-ambiental amazônico; jamais poderá ignorar a riqueza da biodiversidade e do conhecimento tradicional dos povos da floresta; é necessário ter cautela para que não se torne um reprodutor de enormes bolsões de miséria nas periferias das cidades.